04/04/2024

Brasil pode liderar iniciativa global de taxação de super-ricos, diz Laura Carvalho

Por: Juliana Causin
Fonte: O Globo
As propostas para se aumentar os impostos pagos pelos super-ricos dependem
não só de boas legislações locais, mas da criação de mecanismos internacionais
de cooperação tributária, afirma Laura Carvalho, diretora global de Finanças,
Clima e Equidade da Open Society Foundations. Na opinião da especialista, o
mundo precisa deixar para trás uma era de "competição fiscal" e adotar um
padrão de "cooperação", que envolveria mais troca de informações e
transparência.
A criação de um tributo internacional para taxar super-ricos é uma das agendas
do Brasil na presidência do G20 e foi tema principal da primeira reunião
econômica do grupo, que aconteceu em São Paulo, no mês passado. Laura
defende que o debate é essencial também para aumentar a capacidade do Brasil
de ampliar políticas sociais e reduzir desigualdades.
Em entrevista ao GLOBO, ela avalia, ainda, a agenda econômica proposta pelo
Brasil no G20, que inclui reformas de bancos multilaterais, e alerta para a
urgência de países em desenvolvimento avançarem em políticas industriais
sustentáveis, com risco de ficarem para trás em uma espécie de
"reindustrialização verde" puxada por países ricos.
O Brasil tem colocado como uma das prioridades do G20 a tributação
global de super-ricos. Uma parte da proposta da OCDE para empresas,
nesse sentido, ainda está travada. Avançar para que os bilionários
paguem mais impostos é factível?
A discussão sobre tributação global de renda vem em uma crescente. Antes das
discussões do Pilar 1 e 2 da OCDE (impostos globais para empresas) já havia
um movimento muito forte na pesquisa econômica para identificar o quanto se
perde de arrecadação por conta de evasão fiscal, offshores e outros mecanismos
dos super-ricos para escaparem de ser tributados.
Não adianta cada país fazer só a sua tributação. Mesmo que a gente consiga
uma reforma progressiva da renda, o super-rico vai encontrar um caminho para
tirar o patrimônio de um lugar para outro. É claro que é algo que esbarra em
obstáculos políticos muito relevantes. Tem um longo caminho.
Uma das críticas da proposta da OCDE para imposto mínimo a
multinacionais é a distribuição do valor arrecadado, inclusive com risco
de aumentar a desigualdade. Esse também não seria um problema com
taxação de super-ricos?
Sim, dependendo da forma como você olha, poderia ter custos relevantes. Mas
eu acho que o Brasil, no G20, tem a oportunidade de trazer a questão da
cooperação tributária internacional para o grupo, que até aqui não tinha esse
tema.
Não só uma questão da taxação em si, mas também sobre medidas como de
transparência tributária e de troca de informação entre países, para dificultar
esse caminho que os super-ricos encontram para evitar a tributação. É algo que
demanda tempo e também uma discussão com a sociedade civil, academia e
outros países.
Como garantir que a riqueza arrecadada em uma tributaçõ global
também será distribuída?
Esse é um dos principais desafios. Há propostas sendo desenhadas para
entender qual seria o melhor sistema de governança desses recursos. Vai
depender do modelo e de onde será a tributação. Isso vai depender de uma
solução pactuada multilateralmente. Se a ideia é arrecadar de maneira
centralizada e global, a gente vai precisar de algum tipo de instituição que realize
essa distribuição.
Isso é bem difícil e é um plano bem ambicioso. Mas muitas das propostas que
aí estão não dependem dessa arrecadação centralizada. São acordos tributários
que os países podem implementar de maneira bilateral ou regional, que podem
ser desenvolvidos e que vão aumentar a arrecadação dentro dos próprios países.
Que tipo de acordos?
Por exemplo, medidas contra a evasão fiscal e de transparência, que ajudam o
governo brasileiro a arrecadar mais a partir de acordos feitos com um outro
conjunto de países. É claro que existem medidas que podem ser adotadas
internamente.
Mas se existe brecha em outro país, o que acontece é que essa riqueza é
deslocada, porque ela é muito móvel. Se todos os países ao mesmo tempo
tributam mais a riqueza, não tem para onde fugir. Isso não quer dizer que você
vai arrecadar esse imposto de maneira centralizada. Essae seria um caminho que
depende menos dessa estrutura de governança centralizada.
Nomes do governo já citaram a tributação de heranças como caminho.
As cooperações podem ir nesse sentido?
Uma questão que se levanta sempre na tributação de herança e outros
patrimônios é que ela não funciona porque os super-ricos vão encontrar
maneiras de deslocar a herança para algum outro lugar. E isso é verdade, dada
todas as formas que existem de escapar (dessa tributação).
Então as duas coisas tem relação grande: a tributação de herança não é um
imposto global, ele precisa ser feito de forma doméstica, mas para funcionar ele
depende desses mecanismos de cooperação tributária internacional. que
consiga, evitar essas brechas.
E a resistência a esse tipo de medida?
Tributar as heranças é quase um ponto de consenso entre os economistas. Até
dentro de uma perspectiva mais lideral, a ideia de que heranças são tão pouco
tributadas, tira um pouco do argumento em favor da meritocracia. Seja pelo
lado da redução de desigualdade, seja pelo lado da igualdade de oportunidades
pré distribuição de renda, é um tipo de tributo que tem pouquíssimos custos
para o crescimento econômico, e para qualquer indicador de performance
econômico que você escolher, com altíssimos ganhos para redução da
desigualdade.
Qual é o efeito prático desse debate para a população que vive na
pobreza?
A gente tem localmente muitas discussões sobre orçamento, déficit primário,
meta… O brasileiro está muito acostumado com o debate macroeconômico e
com a ideia de que faltam recursos. Muitas vezes a discussão se dá como se a
quantidade de recursos disponíveis tivesse dado e fosse sobre cortar dali e cortar
daqui.
Na verdade, o quanto o país arrecada não está dado. Isso depende de políticas
que o próprio governo consegue alterar. A discussão de tributação internacional
tem a ver com como ir fechando as torneiras que levam, na verdade, a enormes
perdas de recursos para o estado brasileiro. Não adianta nada o Brasil querer
resolver o problema internamente se isso for levar a uma fuga de patrimônio
para outros países.
Consequentemente, para a população, o resultado é de recursos mais escassos
para políticas sociais, para saúde e para educação. A discussão no G20 é
importante para lidar com esse tipo de problema que demanda mais de um país
e, no mundo ideal, viria com soluções globais.
Para além de imposto mínimo global de super-ricos, como a cooperação
tributária internacional pode avançar?
Como países emergentes, com recursos escassos, como você lembrou,
podem avançar na agenda de transição climática e competir com
investimentos pesados, nesse sentido, vindo de Europa e EUA?
O que está sendo feito nos EUA e na Europa mira não só a redução de carbono
e transição energética mas também geração de empregos, com políticas
industriais. Os países do norte estão indo nesse caminho e eu acho que o
momento é para os países em desenvolvimento entenderem que precisam fazer
algo parecido e que se não tiverem uma agenda proativa, a gente vai mais uma
vez ficar para trás.
Os países ricos entendem que a transição climática é uma oportunidade para
retomar suas indústrias e para investir em tecnologia, e eles estão fazendo isso.
Ou a gente também avança ou vamos ver mais uma vez um aumento das
desigualdades globais. Essas agendas lá fora são lideradas pelo estado e temos
capacidade de entender como o Brasil pode se posicionar também
Se você fala de combater o desmatamento, por exemplo, sem falar de
alternativas para a população da amazônia, por exemplo, você vai perder a
conversa. O Brasil precisa colocar isso no debate do G20 porque muitas vezes
os países ricos não enxergam que o financiamento para países do sul não pode
ser só para mostrar o desmatamento. Para resolver o problema de maneira
estrutural, é preciso também de incentivos socioeconômicos voltados para o
desenvolvimento social.